Chá De Letras #54

"Pra Que Roam Os Cães Nessa Hecatombe" - Manuella Bezerro De Melo


Oi oi, gente! Tudo bem?

Estou muito feliz e grata em compartilhar essa leitura por aqui <3 Segunda resenha de um dos livros de recebi da Macabéa Edições, parceria queridíssima no Instagram!

A obra foi lançada em 2020, e de início me chamou a atenção pela sensibilidade em seu título e ilustrações; logo, eu mal esperava para descobrir o que as palavras escritas iriam me trazer. As frases do começo já aguçam a profundidade do sentir que a leitura trará, e quando os poemas começam; contendo uma identidade real de movimento, sabores, vivências e mais detalhes que nos deixam em estado de apreciação - ao mesmo tempo, identificação e curiosidade - de primeira nos enlaça num embalo muito bom.

Eu não li tão rápido; porque poemas curto apreciar de pouco em pouco, e esperar o que cada um irá trazer, em cada momento; mas também não li devagar, pois me senti conectada às palavras de Manuella, seu jeito de escrever, pensar e associar os versos, sentidos e estrofes, me dava sede em ler mais.

Um outro ponto que me deixou de queixo no chão, foram as ilustrações
belíssimas e super envolventes, da Camilla Freitas, compostas sob o nome da série "remendar-se". Ao final do livro, em "reconhecer o estranho e habitá-lo", cada ponto é explicado, em que cada ilustra se conecta ao sentido de cada poema, e são citadas todas as conexões em que as almas das duas artes, se encontram. É um mini estudo mesmo, por Ana Luísa Amaral, incrivelmente emocionante.


~*~


Irei compartilhar aqui alguns poemas, estrofes e versos que mais me surpreenderam, ou que causaram alívio, leveza, angústia...:


- “viver pode ser macular lentamente as próprias visceras as carnes das unhas mordidas comidas
sangradas
beliscadas
na beirada dos dedos” 

- "meus olhos pequenos de menina te viam enorme perto de ti nenhuma deusa ou rainha teria pernas tão longas ou voz tão decididamente

opulenta

ao meu lado crescia a maior das brutas flores largas folhas livre de caule com pisada jamântica te via ir e voltar ao saltar da janela acorrentada a enfrentar medos e regramentos cediços”

- “naquela velha casa muro de arrimo e na porta um pé de jasmim quem mais falava tagarela era a mesinha baixa tampo de mármore e pés de madeira nela de joelhos por dispostos onze anos contei coloridos os segredos sangrados no papel branco por todas as cores da minha caixa de giz de cera

e ela nunca os guardou”

- “todas as gotas de sangue despejadas veias dissecadas

Jaços estreitos nesta ambivalência: dar //. zelo indiferença // afero somente dois olhos fechados com a breve e tenta capacidade de dissolver no corpo o vento”

- “deixou cair as chaves no vão torpe da calçada agora nenhuma porta será aberta nenhum caminho livre passos de elefante perdas pesam sapa-rilhas choram calos e pisoteiam ora sim ora sim resros dos sonhos cartas obsoletas de amores obs-soletos segredos públicos insultos e memórias de alguém até converter-se em avestruz a buscar no subrerrâneo tudo está trancado não há códigos só suspiro e três uivos nem imaginava que seria ainda pior”

- “pétalas brancas alvas nuvens em recorrência

pairam sob o sangue vermelho púrpura”


- “esperar uma noite bonita um momento sublime

a luz ideal de velas

do lustre

do sorriso do gato

do breu

do silêncio que precede a dor”


- “quero achar amor não vejo entre as brechas do edredom

ácaros

para mim:

fé sabão e tanque”


- “não pertenço

desse jeito me vou ainda que só por dentro

ainda que nem me vá não quero recuso

cuas pestanas piscam

não fico já parti faz tempo

gastas e tu nem viste”


- “por seca mudei o código postal me embrenhei em avião e mato subi no alto da montanha depois passei um ano inteiro traçando o caminho de volta

nos atalhos da memoria

já apreudi sobre outono que tem a ver com o cheiro azedo de ver morrer a vida e observo todo dia inerte corvos devorando as frutas da macieira no jardim olho pra cima e vejo céu

está azul ainda que sopre mais fresco o vento nas bandas de cá agora vejo na serra ou planície somos mesmo maltratados

pelas verdades que falam os olhos na fila do caixa eletrônico e pelas histórias macabras que nos contam esses espécimes desajustados: vizinhos

não cabe mais tanto eu no meu corpo com doce de leite me expando feito gado busco espaço pro meu sufoco e desprazer e sei o nome do fim retirem meus ossos

pra que roam os cães nessa hecatombe”


~ * ~


Estou muito feliz por ter conhecido esse livro e o trabalho da
Macabéa e Manuella <3




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