Corolário

Paradoxo da Busca por Reciprocidade...


A correspondência não chegou. 

Esperei de mansinho, em meu âmago acreditava que estava por vir logo; porém como ventania, se passou por mim e um adeus foi dado inconscientemente. Mandei, mandei; mandei diversas vezes; cartas e mais cartas. Quais foram devolvidas, nem mesmo abertas e lidas. 

Sem ao menos um sopro de cuidado, ora desprezadas; ditam um cenário nada incomum, sendo apreciado de bom grado por inocentes, por vezes cientes, de seus atos bondosos. Onde o medo - aflição degenerativa - acaba pouco a pouco tomando conta do todo. 

Esticada na cama, coloquei meus pés para cima relaxadamente; após então, com um tanto de inquietação, preparei um chá quente para acompanhar a melancolia que eu consumia diariamente. 

Entretanto, nada da correspondência chegar. 

Seriam apenas devaneios de minha mente? Existiria mesmo um destinatário tal do remetente? Ou era eu cruzando a linha da idealização novamente? 

Andei em direção à porta; estava frio, como sempre. Enrolada no cobertor, andando com dificuldade enquanto segurava a xícara de chá; numa tentativa falha de esquentar a mão; assoprava a mesma, esperando um resultado imediato para então beber, porém não tão imediato quanto esperava a correspondência chegar. 

Lembranças viajavam em meu cérebro, gritando estridentes como um trem a vapor; de tempos imaginários, onde possíveis correspondências eram trocadas e esboçávamos sorrisos felizes. Diria eu, retrato dos comerciais antigos de margarina. 

Quanto mais me aproximava da porta, podia sentir com mais força a frieza em meus pés e nas pontas dos meus dedos das mãos. Ao abri-la, o ranger da madeira tornara um espetáculo em meio ao silêncio que se ouvia ao redor e dentro de mim. O chão também de madeira, encontrando um lar naquele sonar, se deu por imita-lo; logo tais formaram uma sinfonia reconfortante que alegrara meu coração. 

Mas mesmo assim, nada da correspondência chegar. 

Era quase meia noite; meu chá já havia acabado. O vento gelado lá de fora, 
avermelhava minha boca e orelhas, enquanto causava mal à minha respiração ansiosa. Ouvia o ruído da cadeira de balanço de vovó contra o chão velho e rabugento, enquanto eu me balançava mantendo a calma; porém passado os minutos, tais distrações não me alegravam mais. 

Um mundo novo se mostra. Cores, calor, sabores e olhares. Visitas e mais visitas que eu recebera; meu coração sendo meu lar; desta forma alastravam-se mais e mais destinatários de vezes seguidas. Era insistente. Um sussurro e um apito, assustam a dona de tantas cartas devolvidas. 

Percebi então, que era o carteiro. 

Pulo num susto da cadeira, não mais alto do que a luz do sol que saltava forte na superfície serena. Meus olhos semi abertos notavam movimentos suspeitos, não somente parte do sonho, mas sim do tal fulano das cartas. 

Meu coração torna a loucura, só não mais louco que minha mente. Percebo que derrubei a xícara no chão enquanto levantei; apresso-me em catar os pedaços, e noto o suor que escorre de minha testa pingar no chão, sendo absorvido rapidamente. Pensar, pensar, não pensar. 

O carteiro de bom grado, ajuda-me a catar os pedaços e ao terminar, como de costume, dou um sorriso em agradecimento; não me esquecendo de sempre olhar bem de canto, para observar o que ele tinha nas mãos e bolsa. 

Logo diz que deves me entregar algo; eu tento conter o sorriso, contudo meus olhos mais que isso dizem. Com uma expressão singela e vazia, o carteiro me olha sofrido, contrastando com meu eu contente. 

Sim! Era a correspondência, finalmente! 

Porém com letras vermelhas se lia novamente: “De volta ao remetente”. 


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Um texto para refletir sobre os relacionamentos atuais, em que muitas vezes a reciprocidade não existe, a entrega e busca só partem de um lado; não importa quantas vezes tente. Porém nos sonhos de um suave cochilo, pode-se imaginar chances e repensar em quantas vezes houve falha, ou em quantas vezes pareceu ser bom e não era verdadeiro, duradouro. Quando encontraremos destinatários reais que correspondam?

 Mais um pedacinho de outra surpresa que já já vem :)

Bjs: #SafiSaga



Comentários

  1. Que texto maravilhoso é esse Brasil? Eu fiquei toda envolvida nessa curta história e achei o final muito surpreendente, de verdade. A escrita é incrível, parabéns!

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  2. Você escreve muito bem! A história é bem cativante e surpreendente no final. Continue assim, parabens

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  3. Hmmm você escreve muito bem, parabéns! Achei otimo o final da história, prende a gente, sabe? <3

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  4. Que texto encantador. Eu adoro imaginar os cenários, os aromas, as feições... tudo isso quando leio um conto assim, meio melancólico. Essa imagem no final só serviu para me deixar curiosa com o que acontece depois. E que final triste!

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  5. Oii! :)
    Que texto maravilhoso! Confesso que fui lendo criando expectativas para descobrir do que se tratava a carta e o porquê da ansiedade pela resposta. Adorei o texto e as descrições que você fez, deixaram o texto simples e ao mesmo tempo completo. Fiquei triste pelo final, mas curiosa para saber o que vem em seguida.

    Beijos
    www.ventodoleste.com.br

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  6. Que texto mais envolvente! Conforme fui lendo passei a me sentir como a narradora e no final senti uma pontada de tristeza e decepção pela carta devolvida hehe
    Parabéns pelas palavras! ♡

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  7. Eu não consegui RESPIRAR enquanto lia esse texto. Sério, fiquei me sentindo a própria narradora (talvez por já ter esperado por inúmeras cartas que só chegavam quando eram devoluções, também), tão tensa quanto ela... Deu aquela "decepção" no final, mas um sentimento ainda maior de que ela ache destinatários que a mereçam como remetente...

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  8. Esse texto é extremamente lindo e maravilhosoo. Fiquei arrasada por que acabou, dá vontade de ler mais.
    layllannalima.blogspot.com

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  9. Que palavras maravilhosas. Seu texto ficou muito sensível e fácil de ler. Você tem o dom, invista nisso, sério! Beijo! :)

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