Chá De Letras #48

 "Em Algum Lugar Do Passado" - Richard Matheson


Oi oi, gente! Tudo bem?

É com imensa admiração, encantamento, e com desfalque de palavras para explicar, que venho compartilhar um pouco dessa obra com vocês. Tentarei não demonstrar muito minha euforia e extâse, mas queria ressaltar que conheci esse livro à pouco, porém sua história já conheço há anos através da adaptação de 1980, e digo que é um dos meus filmes mais queridos e marcantes da vida! Em todos os sentidos; música, enredo, profundidade, conexão, etc. 

Antes de começar a resenha de fato, já adianto que essa leitura é arrebatadora para mim. Me sinto virada do avesso com tamanho mergulho no imenso sentir que a história proporciona ~ e digo no sentido assustadoramente bom, pois ela é encantadoramente triste. Romance que vai além do romance, o ultrapassa e se torna eterno (tanto no escrito, traçar e metaforicamente, quanto dentro de nós, leitores). Algo que começa com o fim que nunca existiu e não existe, se moldando em misturas melancólicas, descobertas genuínas e refletir contínuo ~ por vezes também, à lágrimas (como foi meu caso em mais de uma parte da leitura c,:)


***


Richard Collier tinha 36 anos, era jornalista, escrevia para a TV e começou a vender scripts; vivia em Los Angeles no ano de 1971 na casa de hóspedes de seu irmão. Recentemente ele havia recebido a notícia de que iria morrer dentro de quatro á seis meses, por ter sido diagnosticado com tumor cerebral. Richard, não querendo ser um peso para o irmão e cunhada ~ que iriam cuidar dele ~ resolve tirar um tempo para si e acaba indo ao Grand Hotel, enquanto decide escrever esse livro.

- O livro que lemos é de um próprio livro de dentro da história, que  o personagem principal escreve, narrando os fatos;  por vezes temos interrupções de um outro narrador, que é seu irmão, qual está "lendo" o livro conosco e nos guiando/explicando em algumas questões por um ponto de vista futuro à história ali tratada. Principalmente no final, pós morte do personagem principal (e não é spoiler, até porquê a personagem principal já começa o livro estando morta; sendo sua história de antes, a de depois do presente. Confuso de explicar, mas encantador, e irão entender lendo a resenha rs). Sua trajetória e hospedagem são narrados de uma forma brilhante e encantadora por ele, uma mente realmente borbulhante! E são feitas poucas interrupções do irmão durante, basicamente dizendo que cortou uso excessivo de uma mesma frase sendo repetida diversas vezes em sequência, etc, além de um pós escrito, que finaliza o livro com algumas considerações durante e depois da morte de Richard.

...

Collier, vivendo em devaneios e experimentando a ideia de estar num lugar tão antigo; que tudo onde olha e sente, nota-se como pode ser visto ou quem estaria em seu mesmo lugar alguns anos antes; acaba encontrando algo que beirava a loucura, porém o fizeram descobrir o irrevogável amor.

Ele se apaixona por uma fotografia, de Elise McKenna, atriz de teatro que vivera sua juventude em 1896; ela estava hospedada naquele mesmo lugar, há exatos 75 anos de onde ele se encontrava. Richard fica obcecado, a visita todos os dias e começa a fazer pesquisas em diversos livros e acervos que consegue informações sobre ela; em contrapartida, se assume como louco a si mesmo, por estar tão conectado à ela assim. E como se não bastasse, ele também consome escritos sobre tempo/espaço, suas formas, viagens no tempo e tem referência até ao Conto de Bradbury - precisamente sobre o esmagamento da borboleta alterar o futuro; além de outras explicações e pesquisas científicas.

Acaba descobrindo muito sobre sua vida, inclusive que ela amava ouvir Mahler, que a partir de um momento da vida, seu olhar mudara, e que ela sempre fora compromissada profissionalmente, deixara apenas uma peça por favor (guardem essas infos!). Porém o que mais o deixa em estado de choque, é quando se depara com uma confirmação que seu subconsciente aguardava: o nome dele estava na lista de hóspedes há 75 anos - quando ele ainda nem tinha nascido - e na mesma época em que Elise estava também hospedada no hotel. Ou seja, ele havia conseguido viajar no tempo para encontrar sua amada! Agora só lhe restava descobrir como.

Isso o fez recordar de uma festa. Há alguns anos, numa confraternização do trabalho, ele havia sido abordado por uma velhinha, que o dissera coisas que na hora não faziam sentido. Mas agora ele sabia. Era ela, Elise McKenna. E ele não se perdoaria se não fosse a encontrar.

...

Richard tenta um método um tanto capcioso. Ele adquiri cédulas e moedas dos anos de 1896, compra uma roupa da época, e fica no quarto de hotel o dia todo, afastando todos os objetos e pensamentos que remetam ao ano presente de 1971; enquanto repete à si mesmo: "Hoje é quinta-feira, 19 de novembro de 1896" e "Elise McKenna está agora no hotel". Até que, por um segundo ele notou as paredes mudarem; ele esteve lá, mas não foi o suficiente. Até que, enfim, partiu à 1896 por completo.

Richard então fica maravilhado, e descreve com precisão todas as sensações e seu anseio por estar no mesmo espaço tempo que Elise McKenna. Ele tem seu momento de desvendar um pouco o hotel agora diferente de como conheceu, até tem curtos diálogos com algumas pessoas, acaba analisando e comparando o comportamento na época. É quando, na praia que envolvia o hotel, ele a vê. Seu grande amor. E ao se aproximar, parece que ela estava esperando por ele.

Os dois tem momentos confusos, e intensos. Em poucas horas  protagonizam diálogos em que sem explicação, se correspondem. Richard já estava tremendamente apaixonado, e Elise por sua vez, diferentemente de como agira com qualquer outro homem em sua vida, sentia que podia confiar nele e o estava esperando de certa forma. Pois lhe fora revelado duas vezes através de pessoas, que ela encontraria um homem na praia naquele ano. E não podia ser outro se não Richard.

Quem não estava gostando nada dessa história e aparição repentina, era a mãe e sobretudo o empresário de Elise, Robinson; que a protegia demais por terem sido alvo de alguns golpes associados à homens que se diziam apaixonados por ela também - além de que, aparentava ter ou já ter tido um sentimento não correspondido por ela. Entretanto, como Richard havia lido sobre a vida dela; tanto profissional quanto pessoal; já esperava por essa atitude de Robinson. E a contra gosto dele, Elise e Richard tem alguns encontros.

Por incrível que pareça, durante um diálogo em um de seus encontros, Richard todo pomposo afirma de certa forma que Elise gostasse de Mahler, portanto, ela nem o conhecia. Collier então acaba por cair em si, e notar que isso estava escrito nos livros sobre ela não porque ela já gostava, mas porquê ele a fizera gostar - lembra que pedi para guardarem essa info? - Isso o deixou radiante! Os dois tem momentos de carinho, Elise mal se reconhece; pois nunca estivera apaixonada; e logo o convida para sua apresentação numa peça que aconteceria ali no hotel - qual inclusive Richard também havia lido sobre.

O que era para ser um momento de grande romance de admiração, acaba logo após o primeiro ato. No intervalo Richard recebe uma mensagem de Robinson - com quem já havia tido vários desentendimentos antes e uma conversa nada amigável antes da peça - Ele acaba o enganando ao usar Elise, e Richard cai numa emboscada terrível. Dois capangas, armas de fogo, uma cabana afastada... Não o matariam, mas o manteriam longe e o torturariam até que Elise terminasse a peça e fossem embora pela estrada. Porém Richard consegue escapar!

Chegando ao hotel acredita que ela já partira, afinal sabia que tinha uma peça marcada; no entendo se surpreende quando a encontra. Ela estava esperando por ele. Havia pedido que Robinson fosse na frente e não fez viagem - lembra quando citei que um dos livros que Richard lera sobre, dizia que ela havia deixado de fazer apenas uma peça? então. Os dois naquela noite vivem o amor, se divertem, se apaixonam mais e mais, se surpreendo à impossível descrição exata da profundidade que sentem. Isso os fascina e encanta, é deveras profundo e de uma necessidade absurda. 

No entanto, após dormirem, Richard acorda no meio da noite para a apreciar, também escrever mais, e analisar o cuidado que Elise tivera com seus pertences. Ao sair do quarto de surpreende com Robinson, mas consegue fugir e voltar ao quarto. Porém após isso, ao remexer nos bolsos, ele vê: uma moeda de 1971. Tudo começa a girar e parecer distante, a mesma sensação de quando ele viajara da primeira vez. Mas aquilo não podia acontecer. Não agora, que ele estava com Elise, estavam apaixonados e tinham todo um futuro e planos... Mas aconteceu.

E escutando Mahler, Richard se fora, em pouco tempo. O irmão ao final, não deixa claro se tudo realmente aconteceu, ou se o tumor afetara tanto Collier que ele pudesse delirar. Mas ressalta que em seu íntimo, acredita que tudo realmente aconteceu, e que seu desejo, é que eles tenham se reencontrado de alguma forma.


~*~


Revelei o final pois é uma história muito profunda, e que de certo  não tem final. A verdadeira experiência para mim - que já sabia o final pelo filme - foi a descrição que nos leva à imersão profunda à insanidade ou à experimentar os sentires de um amor avassalador. Além de que Richard comenta sobre costumes da época (comida, preços, jornalismo), que tornam detalhes bem interessantes à serem compartilhados conosco de forma bastante franca. E é claro, as falas de Elise quanto ao 'papel da mulher' no teatro naquela época; em que ela não podia interpretar como ou quem gostaria, e quando tinha um papel, era limitada à fazê-lo de forma sexualizada, pois o reconhecimento que davam à mulher na arte, ainda era como objeto e tinha padrões de beleza embutidos - muito triste e reflexivo de ler. Também é bacana de analisar os fatos e tomar nota para si do que seria verdade ou não (devido à teoria de que, de fato nada pode ter acontecido, mas sim, devaneios do personagem).

Outra das coisas que vale a experiência, é que você se sente tão conectado e desesperado, que mesmo sabendo o final deles, ainda por um momento acredita fortemente, que eles fiquem juntos e que ele não olhe para a moeda... Até diminui o ritmo da leitura por não querer chegar ao final logo.

...

Por mais que algumas pessoas achem o começo (ou ele todo) arrastado, ao meu ver é curioso e instigante decifrar a luta na mente do narrador/personagem através do fluxo de consciência presente na obra, todos os seus detalhes, descrições e ligações de pensamentos à ações, além de perspectivas únicas e pessoais, românticas, inocentes, que te levam ao delírio criativo! Nada que eu escreva aqui pode descrever o significado dessa história, e o que é esse livro... Talvez se possa dizer que é um soco no estômago misturado à sabores magníficos e doces, uma história arrebatadora que lhe irá acompanhar para sempre. Recomendo com todas as minhas forças!


~*~

Quotes:

"(...) uma foto dela: o rosto mais gloriosamente belo que já vi na vida." - pág 34

"Estou deitado aqui, observando o teto como um garoto perdido de amor" - pág 35

"Encontro-me agora de pé no palco. (...) alguma parte dela deve permanecer aqui. (...) Aqui. Agora. Neste lugar. Sua presença se funde a minha." - pág 44

"Pobre Elise! Um imbecil apaixonou-se por você." - pág 45

"Aqui parece nada mais haver além de tempo" - pág 50

"O sol nasce novamente. Como minhas esperanças. Quando acabar de ler, o que será de mim?" - pág 54

"Aqui, senti o passado dentro de mim." - pág 57

"Está tudo aqui. Neste hotel. Neste exato lugar onde, há setenta e cinco anos passados, inclusive quando pronuncio essas palavras, Elise McKenna respira e se move." - pág 61

"(...) Olhava para o lápis que se movia no papel, como que escrevendo sozinho, desligado de mim. Eu contemplava o movimento, hipnotizado" - pág 86

"Eu tinha a sensação de caminhar num sonho" - pág 110

"Pessoas de épocas diferentes exibem uma expressão distinta, reio eu; uma expressão que é pertinente ao período que vivem. Penso que ela viu isso em meu rosto, da mesma forma que vi no dela. (...)" - pág 129

"Ficava cada vez mais convicto de que o segredo para uma bem-sucedida viagem no tempo é pagar o preço de uma eventual perda de identidade de tempo" - pág 193

"- (...) a partir de agora, fique ciente de que sou parte de sua vida." - pág 201

"- (...) Em geral, os críticos sempre falam das atrizes em termos de seu encanto ou beleza, nunca de sua capacidade no desempenho de um papel (...) Representei Julieta, mas não apreciei o papel, porque nunca tenho permissão para mostrá-la como ser humano em agonia, e sim, como uma bela soubrette, dizendo falas floreadas." - pág 204

"- Seria preciso uma epidemia para torná-lo rei" - pág 210

"Eu alcançara Elise McKenna, e ela me amava" - pág 211

"Robinson amava Elise tanto quanto eu, e a tinha amado por muito mais tempo. Como poderei deixar de entender isso?" - pág 221

" Você fez a coisa mais maravilhosa que alguém já me fez, a vida inteira - disse ela. - trouxe-me amor." - pág 249

"- (...) por favor, não me deixe" - pág 258

"Havia esse conflito permanente em meu íntimo: o cérebro contra a emoção. O peso de seu amor finalmente equilibrou a balança. (...)" - pág 267

"Minutos antes, estivera com ela. No entanto, o agora era setenta e cinco anos mais tarde. Elise estava morta." - pág 180

"Se eu pudesse convencer-me de que ele realmente voltou ao passado e a encontrou, ficaria imensamente mais leve a dor que sinto pelo falecimento de meu irmão." - pág 183

...


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