Chá De Letras #56

"Terra Sonâmbula" - Mia Couto


Oi oi, gente! Tudo bem?

Mais uma da série: Li e fiz as fotos faz tempo, mas esqueci de postar hihi Mas veio ai, leitura do renomado Mia, queria muito compartilhar a escrita dele aqui, pois é uma aula! Não apenas de escrita, como um soco no estômago histórico também. Já o vi ser apontado em alguns locais que é o livro mais complexo do autor, e uma das melhores obras africanas do século XX; e realmente faz jus, pois cada parágrafo é descrito de forma altamente poética e minunciosa, uma leitura excepcional e sofisticada. 

Aliás, uma curiosidade que vi no "Toda Matéria", reforçou uma interpretação que tive após ler e fazer um paralelo com o título do livro; pois "Terra Sonâmbula" representa a falta de descanso que aquele lugar teve, com essas precariedades durante a guerra.

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O livro se passa no contexto histório em meados dos anos 60, quando Moçambique passava por diversos conflitos. "De 1965 a 1975, houve uma guerra anticolonial, contra o domínio de Portugal e pela Independência do país. Após a conquista da liberdade de Portugal, em 1975, tem-se uma guerra civil no país, com disputas internas pelo poder entre os partidos Renamo e Frelimo. Tais conflitos ocorreram de 1976 a 1992, fazendo milhares de vítimas e arrasando o país." (Alanis Zambrini, Literatura - Manual do Enem, 2022)

De tal modo, o livro mostra o último período dessa guerra civil, pois foi publicado pela primeira vez no ano em que foi assinado o Acordo Geral de Paz entre os dois grupos

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A primeiro plano nos é dada a visão de Muindinga, um garoto que acabara de perder a memória após comer uma mandioca envenenada. Logo, um velho sábio chamado Thuair, decide guiá-lo, e os dois seguem sobrevivendo juntos durante a guerra civil moçambicana. Nesse meio tempo, eles se deparam destrossos de corpos carbonizados no caminho, e Muindinga encontra um caderinho, que ele descobriu pertencer à um garoto chamado Kindzu. 

À partir deste momento o livro passa a mesclar pontos de vista e épocas diferentes, contando assim a história dentro da história.

Kindzu era de uma família extremamente pobre, e grande. Ele conta no
caderno, diversas experiências absurdas que passou durante a guerra, e como foi abandonado pela mãe após perder os irmãos pra fome e doenças, e depois ser abandonado pela mãe por não ser o filho que ela mais gostava. O que mais chama a atenção, não são apenas os fatos que nos deixam incrédulos e com raiva; como também a forma com que Kindzu conduz as histórias, que de certo era sua realidade então, é contada num tom costumeiro, o que nos faz achar ainda mais absurdo. 
Nos apresenta o dia-a-dia daquela família, e cenas extremamente fortes e violentas são narradas à merce da nossa interpretação, e um tanto genuínas, por serem contadas através de Kindzu, que mantinha um olhar rotineiro perante muitas situações.

Depois de ser abandonado pela família, o garoto encontra um navio naufragado, e conhece Farida, uma mulher que vivia escondida naquele local. Farida conta sua história, também pesada, a mulher havia perdido seu filho, Gaspar, qual nasceu fruto de um estupro. Kindzu cria um grande carinho por Farida, e não demora muito para se apaixonar por ela. Logo, ele decide ir atrás do filho perdido, e acaba passando por grandes aventuras e perigos no caminho.

Ao final, cabe à nós interpretar/diferenciar o que é fantasia e o que realmente aconteceu. Sem contar a mistura entre o presente e passado, ao contar a história de Muindinga, que está lendo o caderno, e Kindzu, que é quem escreveu e vivenciou tudo o que está no caderno. Um emaranhado de sentimentos, unidos pelo pavor da guerra.

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É uma leitura forte e sensível. Como mencionei no começo, faz jus à fama que leva, uma vez que Mia Couto nos surpreende mais um vez, com a destreza, responsabilidade, apreço e alto nível de apuração que ele coloca em cada palavra e frase montada. Leitura inclusive que contém muitas analogias e figuras de linguagem com certo grau de requinte, o que nos brilha os olhos. É aquele tipo de livro que nos faz revisitar parágrafos e diálogos, e cada vez lendo podemos nos impactar de forma diferente.

Recomendo muito, ainda mais aos apreciadores de tal arte; mas atenção, é bom estar em uma época tranquila da cabecinha pra ler, pois pode gerar vários gatilhos.

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- Vou deixar alguns quotes costumeiros a seguir:


"Acendo a estória, me apago a mim."


"O sonho é o olho da vida."


"Se um dia me arriscar a um outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim."


"A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco."


"Porque o amor é esquivadiço. A gente lhe monta a casa, ele nasce no quintal."


"Afinal, em meio da vida sempre se faz as seguintes contas: temos mais ontens ou mais amanhãs?"


"A festa é a tristeza fazendo pino."

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Bjs: #Safisaga


Comentários

  1. Acabei de conhecer o seu blog através do LinkedIn... Parabéns, tudo muito lindo! Vou criar uma conexão com você por lá! Ainda não li nada do Mia Couto, mas pretendo não demorar muito para ler, na verdade, só vim a conhecer o nome dele, no final do ano passado, quando estudava a história da língua portuguesa, que em determinado momento, abordou os principais escritores africanos. Um abraço e sucesso!

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